Passeio Químico por Proença-a-Nova (II)

Continuação da descrição do passeio química em Proença-a-Nova. Como este foi organizado com a colaboração do Centro de Ciência Viva da Floresta, incide bastante sobre a química ligada às árvores. Ao procurar dados químicos sobre um conjunto de árvores tão vasto, procurando fazer referências que não fossem repetitivas, tive oportunidade de ficar com uma visão mais alargada sobre este tema.

O passeio continuou para fora do parque por passeios urbanos rodeados de árvores e pequenos quintais. Muitos desses quintais têm redes de arame coberto de um plástico (polímero), provavelmente PVC, com um corante verde. Paramos junto a um pinheiro manso ainda de pequeno porte que está atrás de uma dessas redes. Trata-se de uma árvore resinosa que é cultivada essencialmente para o aproveitamento dos pinhões. Estes contêm cerca de 45% de ácidos gordos (dos quais a maior quantidade são os ácidos oleico e linoleico), 32% de matéria proteica e 15% de acúcares, sendo o restante água e um conjunto de compostos designado como cinzas. Nos últimos anos estas árvores têm sido ameaçadas por uma praga de insectos; e também os incêndios recentes devem ter originado danos nos pinhais destas árvores. 

Em seguida encontrámos uma ameixeira de jardim. Por que razão são as folhas destas ameixeiras daquela cor púrpura escura? A resposta química é relativamente fácil: porque têm antocianinas em grande quantidade. Assim estão mais protegidas dos danos causados pelo oxigénio e a luz, mas, como as antocinainas não fazem a fotossíntese, tal tem como custo alguma perda de eficiência. Mas isso não nos diz nada sobre as possíveis razões para que esta planta seja assim. Alguns botânicos acham que há outra vantagem: são menos atacadas por insectos. E, embora não atraiam insectos, a presença de grande quantidade de antocinainas já deve ter atraído vários químicos que com certeza analisaram os seus componentes. Basta procurar a literatura científica

As amoreiras são as únicas árvores de cujas folhas se alimentam os bichos da seda. Para essa preferência restrita parece contribuir a presença da molécula cis-jasmona. De facto, testes controlados mostram uma preferência elevada dos bichos da seda por essa molécula. A seda é uma fibra proteica, ou seja um filamento com proteínas de cadeia linar (as proteínas são constituídas por aminoácidos unidos por ligações peptídicas). O nylon é uma poliamida, um dos primeiros polímeros sintéticos a ser explorado de forma comercial. A sua descoberta foi feita através de um estudo sistemático de polímeros similares aos das cadeias proteicas da seda e da lã. Nas poliamidas, em vez de aminoácidos, são usados aminas e ácidos carboxílicos.

Encontrámos em seguida alfazema que é muito usada como aromatizante (não alimentar). No seu óleo essencial encontramos muitos dos terpenóides presentes na folha do louro, o alfa-pineno e o eucaliptol, por exemplo. Para além destes encontramos cânfora e limoneno entre muitos outros. O limoneo está muito presente neste passeio como fomos vendo. As quantidades relativos destes e outros compostos criam a identidade dos óleos essenciais destas plantas.

Há com certeza muitas razões químicas para falar das magnólias. Por exemplo, alguns dos seus componentes estão identificados como tendo actividade biológica, nomeadamente propriedades nematicidas, anti-bacterianas e citotóxicas. Como referido acima isso, ter propriedades biocidas, antioxidante, ou outras, é bastante comum.

Paramos junto a um cipreste. Os primeiros registos da utilização médica de plantas datam de cerca de 2600 A.C. na Mesopotâmia sendo referidos os óleos de cipreste, cedro, mirra e papoila do ópio, entre outros.  Para além da identificação dos componentes activos, os compostos obtidos das plantas podem estar na origem da descoberta de novos fármacos como já referimos.

Vimos em seguida azulejos murais e em pequenas pastilhas. A produção de objectos
cerâmica é uma actividade muito antiga. Para a produção de azulejos são usadas misturas de argilas e caulino que, uma vez enformadas e secas, são levadas ao forno a altas temperaturas, ocorrendo um conjunto de reacções químicas que endurecem o material de forma irreversível. Com as altas temperaturas, os grupos -OH têm tendência a formar ligações -O- rígidas com libertação de água. Para os esmaltes e vidrados utilizam-se misturas de sílica, óxidos de boro e chumbo e ainda compostos para criar a opacidade (óxidos de zircónio ou estanho), sendo usados outros compostos para dar cor.

A albízia (de Constantinopola) está registada na Farmacopeia Chinesa para vários usos medicinais e existem estudos recentes que indicam poder possuir compostos com actividade anti-tumoral. É preciso notar, no entanto, que entre a descoberta de um princípio activo promissor, devido à sua eficácia na eliminação de células tumorais in vitro até à fase inicial de testes clínicos em humanos podem passar vários anos, podendo pelo caminho verificar-se que o composto é demasiado tóxico, ou que apresenta problemas de administração, distribuição, metabolismo e excreção.

A nogueira dispensa apresentações. Na índia várias das suas partes são usadas para fins medicinais e… de higiene pessoal. A tradição e um estudo recente (à data de 2011) indicam que a sua casca tem actividade anti-helmíntica (elimina parasitas do intestino humano) in vitro, mas não foi identificado o composto ou grupo de compostos responsáveis. Neste caso estamos um passo mais atrás do que no caso anterior. Encontrar a molécula responsável pelas propriedades medicinais é muito importante para poder estudar as suas propriedades.

Os plátanos são muito utilizados para proporcionar sombra. Embora tenham defesas químicas contra vários fungos e coabitem sem problemas com outros, há uma espécie em particular que os está a atacar aproveitando as feridas causadas pelas podas frequentes e acidentais. É curioso que alguns dos fungos com que o plátano coabita ajudem, em laboratório, os químicos medicinais a bio-transformam o ácido betulínico (composto com propriedades anti-tumorais e anti-HIV),  presente na casca do plátano e das bétulas em compostos análogos que poderão ser ainda mais eficazes.  

Paramos agora junto a um pitósporo também conhecido como árvore do incenso. .A composição quíica dos óleos voláteis desta planta tem limoneno (o composto já referido anteriormente e que associamos às laranjas e limões) em grande percentagem, mas é a conjugação deste com o outros componentes que lhe dá o odor característico que justifica o seu nome. Esta planta é conhecida por afastar outras espécies. Na verdade deverá acontecer algo parecido com os limoeiros e as laranjeiras pois o limoneno tem propriedades herbicidas. A pequena árvore da fotografia já deve ter crescido bastante nos últimos seis anos. Note-se também as outras plantas, as cores da boca de incêndio (vermelho e branco), os vidros planos e o revestimento das placas castanhas da parede. Já não lembro bem, mas pela fotografia parecem ser aglomerados de madeira cobertos de um verniz.

Encontramos agora uma coreutéria. As flores desta árvore são usadas na medicina tradicional chinesa para o tratamento de problemas oftalmológicos. Alguns compostos extraídos das folhas desta árvore parecem ter actividade anti-oxidante e agirem como protectores do DNA. Não admira que nas folhas existam compostos assim, pois, como foi referido atrás, as folhas devem resistir à acção do oxigénio e do sol. Em termos de fármacos, o que queremos é encontrar o fármaco mais eficaz e com menos efeitos adversos. 

Paremos junto junto à biblioteca. Notavam-se na altura escorrimentos castanhos da corrosão no suporte das letras pintadas de verdes. Esses escorrimentos ão claramente devidos a óxidos de ferro. As letras não são de bronze, coberto com sais de cobre, estão pintadas de verde. Note-se as zonas em que ocorre a corrosão. Para haver corrosão do ferro é necessário água e oxigénio. Haver zonas com ambientes químicos diferentes, por exemplo uma imperfeição no revestimento da tinta, promove a oxidação enquanto noutro local próximo se vai dar a redução.

Loendros, uma das primeiras plantas referidos neste site. Todas as partes destes arbustos são muito tóxicas devido a um glicosídeo com actividade cardíaca que possuem em grande quantidade.  Na primeira guerra mundial os soldados portugueses usaram-no para tentar matar parasitas.

O passeio segue com o encontro de limoeiros e laranjeiras. Com já foi referido estas árvores têm limoneno em grande quantidade. Mas contrariamente ao que se pode encontrar em muitos sites na internet, o cheiro diferente das laranjas e limões não é devido aos dois isómeros ópticos (moléculas que são a imagem no espelho uma da outra) diferentes do limoneno: o mesmo isómero está presente nas duas espécies. A diferença no cheiro é devida às pequenas quantidades dos outros componentes voláteis. Em casos como este, o espírito crítico não basta. A melhor solução é poder fazer a confirmação experimental. Na falta desta, encontrar artigos ou livros de boa qualidade em que mostrem ter feito essa determinação. Nos limões há ácido cítrico (que é um ácido um pouco mais forte  que o vinagre) em grande quantidade e por isso a sua acidez é elevada. Também o ácido ascórbico, ou vitamina C, está associado a estes dois frutos.

Paragem junto a um candeeiro. A produção de luz e a economia de energia é um assunto importante para os químicos e para a humanidade. Das primeiras lâmpadas de arco eléctrico e incandescentes inventadas por Davy até às lâmpadas florescentes, incandescentes de halogéneo, LEDs (díodos emissores de luz), etc., há uma participação luminosa e sempre presente da química. No caso dos LED, são importantes os elementos químicos índio (In), gálio (Ga), alumínio (Al), arsénio (As) , nitrogénio (N) e fósforo (P). As cores verde e azul são dadas por InGaN, a vermelho por AlGaAs/-GaAs ou AlGaInP/GaP e a branca por LED azul com cobertura de fósforo ou LED vermelho-verde-azul. Estes materiais são cobertos com um polímero rígído transparente.

Paragem junto a uma casa de xisto com arbutos de alecrim. O xisto é uma rocha metamórfica que fez um longo caminho até chegar à sua estrutura actual em camadas características: de feldespato passou a argila por processos químicos e físicos e desta tornou-se xisto por acção de altas pressões. Na sua composição predominam os silicatos de alumínio e por isso é resistente às chuvas ácidas. O alecrim é bem conhecido. Para além do eucaliptol, a cânfora, e outros compostos já referidos, possui ácido ursolínico que parece estar ligado à preservação da memória e protecção contra a doença de Alzheimer. Em Shakespeare aparece várias vezes essa ligação do alecrim à memória, uma propriedade que parecia já ser conhecida dos gregos antigos.

Cedro do Bussaco: um perfeito mentiroso. De facto, não é um cedro, mas sim um cipreste, e não é do Bussaco, nem seque é português, mas sim da América Central! Os extractos das suas folhas parecem ter a capacidade de provocar a apoptose (morte celular programada) de células tumorais. Obviamente isto é só o começo de um caminho como foi referido atrás. Encontrar as moléculas responsáveis pela ação. Estudar essas moléculas, assim como moléculas derivadas destas. Se forem promissores, aos testes com células, seguem-se aos testes com modelos animais. Se continuar a ser promissor, o candidato a fármaco passa aos testes clínicos. Todo este processo é muito dispendioso e pode demorar mais de dez anos.

Chegamos junto a uma vinha com videiras. A calda bordalesa, obtida misturando sulfato de cobre com cal em  água, e a aplicação de enxofre elementar são os tratamentos mais antigos para as videiras. Na calda bordalesa, o hidróxido de cálcio serve para neutralizar a acidez provocada pela hidrólise do cobre(II), formando-se uma suspensão coloidal neutra envolvendo sulfato e hidróxido de cobre hidratado (há também a formação de um precipitado de sulfato de cálcio). O cobre é eficaz como fungicida e a suspensão coloidal permite uma maior adesão às folhas das plantas sem ser nociva. No tratamento com enxofre elementar, ocorre a oxidação para dióxido de enxofre que é um fungicida e acaricida relativamente seguro. Note-se que, devido à utilização de enxofre e à adição de dióxido de enxofre ou sulfitos às uvas, as garrafas de vinho contém obrigatoriamente o aviso de que contêm sulfitos. No que concerne a outros pesticidas, o controlo das pragas é realizado cada vez de forma mais segura graças ao desenvolvimento da química e do entendimento da bioquímica das plantas. Na produção de vinho assim como na sua análise estão também envolvidos muitos processos químicos. 

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