(PQ-UC) Química da Porta Férrea e das pedras que a rodeiam

Na Porta Férrea da Universidade de Coimbra podemos encontrar um metal, o ferro, e um outro material que é uma mistura sólida, a pedra. Sim, também a pedra, pois a porta não é só o artefacto que fecha e abre, é também a construção que a envolve. Vamos, pois, falar um pouco da química destes dois materiais e das reacções químicas a que estão expostos no sítio onde se encontram.

O ferro é um metal. Quase toda a gente consegue identificar um metal, mas o que é um metal? Porque distinguimos os metais dos outros materiais? Por agora podemos ficar com uma ideia simplista: um metal é um material, em geral elementar, mas pode ser um composto, que é bom condutor de electricidade. Cerca de 80% dos elementos químicos podem ser obtidos sob a forma de materiais metálicos elementares e são classificados como metais.

Mas voltemos ao ferro que é um metal muito sensível à degradação por corrosão. De facto, a camada de óxidos de ferro (a que vulgarmente chamamos ferrugem) não forma uma superfície protectora que impossibilite a continuação da degradação e por isso uma peça de ferro que esteja a sofrer corrosão acaba por se transformar apenas em ferrugem que acabará por ser levada pelo vento, ou pela chuva. E já todos devem ter visto latas, carros, ou ferramentas velhas aos quais esteja a acontecer esse fenómeno.

A Porta Férrea já tem quase quatrocentos anos e não se nota que esteja, para além de uma camada superficial de ferrugem, muito corroída. Porquê?

Uma das explicações é que o ferro exposto ao ar e mantido seco, não sofre corrosão significativa. Para haver corrosão é necessário, para além do oxigénio do ar, que haja humidade (aliás, se em vez de apenas água, forem soluções com sais, ou ácidas a corrosão será ainda mais rápida) e ainda que existam zonas do ferro relativamente protegidas do ar. Sendo uma porta que deixa passar as correntes de ar, mesmo quando está fechada, está também mais protegida da corrosão!

Outra possível explicação, que me foi indicada pelo Professor Victor Lobo, será a presença de fósforo e arsénico na composição do ferro da porta, a qual poderá ser devida aos processos de produção deste material à época. Assim, a presença destes elementos contribuiria para a maior resistência à corrosão. É de referir que essa explicação é actualmente a que se considera mais relevante para justificar a resistência à corrosão da famosa coluna de Delhi.

Consideremos as reacções químicas envolvidas. A oxidação do ferro, propriamente dita,

Fe(s) → Fe2+(aq) + 2e- → Fe3+(aq) + 3e-

só ocorre se houver água, ou soluções aquosas em contacto com o ferro numa zona relativamente protegida do ar que funcione como ânodo. Os electrões libertados fluem pelo metal para as zonas mais expostas ao ar e água onde ocorre a reacção de redução (cátodo)

O2(g) + 2H2O(l) + 4e- → 4OH-(aq)

Os iões hidróxido e ferro (III) difundem-se pela solução e acabam por formar um precipitado de óxido de ferro (III) hidratado (a ferrugem),

2Fe3+(aq) + 6OH-(aq) → Fe2O3⋅H2O(s) + 2H2O(l)

É importante notar que o ferro sofre corrosão significativa em zonas pouco oxigenadas e portanto normalmente pouco visíveis, mas que poderão ser as zonas por debaixo da ferrugem que já se formou, debaixo da pintura, zonas de contacto com as paredes, etc. No caso da presença de fósforo, poderá haver a formação de uma camada protectora de FePO4⋅H3PO4⋅4H2O entre o metal (com fósforo) e a ferrugem à superfície. É digno de nota que os químicos, ao longo dos tempos, têm desenvolvido muitas formas de minimizar a corrosão, mas isso é o assunto de outra paragem no nosso passeio.

E quanto à pedra? É, no presente caso, uma rocha calcária denominada pedra de Ançã. Trata-se de uma pedra relativamente mole, constituída em grande percentagem por carbonato de cálcio. Esta pedra, contrariamente a outras rochas ricas em minerais carbonatados, como o mármore, é muito porosa e mais sensível à degradação. Embora a erosão física causada pelo vento e pela chuva seja importante, a erosão química causada pelas chuvas ácidas e pelos gases emitidos pelos carros terá sido ainda pior. De facto os ácidos provocam a degradação rápida do calcário de acordo com a reacção química,

CaCO3(s) + 2H+(aq) → Ca2+(aq) + H2O(l) + CO2(g)

Mas, contrariamente ao que se possa pensar, hoje em dia a poluição atmosférica causada pelos automóveis e fábricas, a qual originava as chuvas ácidas e outros problemas ambientais, é muito menor que há décadas atrás. De facto, os carros e fábricas são hoje muito menos poluentes e isso é em grande parte devido à química e aos químicos. Noutro ponto do passeio, quando pararmos para falar da química ligada aos automóveis, falamos disso. É de salientar, aliás, que já em 1932 (ver cópia ao lado de uma estampa do artigo de Virgílio Correia) a estátua alegórica à Faculdade de Leis estava em muito mau estado.

E voltando à pedra mole. Os químicos em colaboração com os engenheiros têm contribuído para o desenvolvimento de métodos de preservação deste tipo de rochas nos monumentos em que se encontram, através, por exemplo, de tratamentos de consolidação e impermeabilização baseados em polímeros e resinas muito pouco reactivos.

Bibliografia:
Peter Borrows, Education in Chemistry, May 1995, p 62.
Peter Borrows, Education in Chemistry, May 1994, p 63.
Carlos Ruão, Monumentos, vol 8, p 26, 1997.
Ana Paula Ferreira Pinto e José Delgado Rodrigues, Monumentos, vol 8, p 114, 1997.
Virgílo Correia, Biblos: Revista da FLUC, vol 8, p 501, 1932.
R. Balasubramaniam, Corrosion Science, 42, 2000, 2103-2129.

[Versão de 4 de Setembro de 2009. Última alteração 22 de Maio de 2010]

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